Tancredo Neves, 100 anos de história.
João Eduardo Ornelas
21 de abril de 2010, 23:55h.
Estou em casa e acabo de assistir ao documentário “Tancredo Neves, 100 anos de história” na Rede Cultura. Minha memória foi reavivada e voltei àquela época de meus recém completados 20 anos de idade, quando todo o Brasil se emocionou com a morte daquele em quem se depositava as esperanças de um Brasil melhor.
Acompanhei a trajetória de Tancredo Neves desde a anistia política e até mesmo um pouco antes, quando ele foi candidato a senador na época em que havia somente o MDB e a ARENA. Recordo-me de sua fotografia, do carro de som do MDB que algumas vezes foi a São Francisco do Glória e da propaganda no rádio. Na época, eu adolescente fiquei intrigado ao ouvir dizer que Tancredo fora primeiro-ministro, pois era algo que eu não havia aprendido na escola naquela época de ditadura onde o ensino era todo direcionado a moldar as mentes favoráveis ao governo militar.
Depois, quando veio o inicio da abertura política, Tancredo foi eleito governador do estado com larga vantagem para o principal opositor, o candidato do governo Eliseu Rezende. Foi durante a campanha que aconteceu algo inusitado, Tancredo Neves visitou São Francisco do Glória. Parece-me que ele viria na região onde visitaria Muriaé, Leopoldina, Cataguases, Ubá e outras cidades de destaque. Na última hora consegui-se que ele desse uma breve passada por São Francisco, acredito que vindo de Manhuaçu ou Carangola. Foi tudo muito rápido, ele passaria à tarde e somente pela manhã ficou decidido. O carro de propaganda do PMDB saiu às ruas e em vez da mensagem gravada, a voz do Jair Biciate que ao microfone convidava para a visita do “futuro governador de Minas Gerais”.
A política franciscana era dominada pelo PDS que com mãos de ferro mantinha os correligionários sob rígida disciplina. Uma saída à rua para ver e ouvir o candidato da oposição poderia ser interpretado como um gesto de infidelidade, provocar desconfianças e possíveis retaliações por parte dos caciques. Poucos se atreveriam. Apesar da curiosidade, somente algumas pessoas saíram às ruas para receber o ilustre visitante, outros no máximo arriscavam olhar timidamente pelas janelas. Tancredo deu uma volta pela cidade acenando para as pessoas numa carreata composta por poucos carros, deu a volta na praça, uma breve parada e foi embora. A cidade não fazia idéia de que ali estava aquele que lideraria a transição para a democracia em nosso país e com seu talento conciliador conseguiria ser eleito Presidente do Brasil no colégio eleitoral derrotando o poderoso regime militar.
Caso tivesse se formado um grupo de pessoas para recebê-lo, ele desceria e falaria algumas palavras aos franciscanos, mas como não tinha ninguém, limitou-se a cumprimentar as lideranças locais do PMDB e foi embora. Nenhuma gravação, nenhuma fotografia sequer. A imagem que tenho na mente é a de um homem baixinho, afundado na poltrona de um Monza acenando pela janela para as poucos moradores que ousavam chegar nas calçadas, portas e janelas. Eu estava com algumas pessoas na esquina do Sr. Ari Pedrosa, e quando pensávamos em ir ou não à Praça para ver um possível mini-comicio, o monza veio voltando levando o pequeno-grande homem para conquistar terras maiores e com eleitores mais corajosos.
Essa visita serviu de chacota. Alguns dias antes, estando alguns franciscanos reunidos à noite em grupinhos na praça com era e ainda é costume, eis que surge um gambá passeando pela rua. O pobre do bicho foi descoberto e começou a perseguição e a gritaria. Todos tentavam acertar o bichinho com pedras ou chutes e juntou-se gente de todos os lados, algo em torno de cem pessoas que farrearam linchando o aterrorizado e fedorento animalzinho. Quando por fim o pobre foi abatido, a pequena multidão vibrou alucinada. Pois bem, depois da malfadada visita do futuro governador das Minas Gerais, dizia-se que teve mais gente no enterro do gambá que na visita do Tancredo.
Quando Tancredo foi candidato a presidente numa eleição que seria indireta, ele decidiu fazer campanha com o povo como se fosse eleição direta. O país estava frustrado pela rejeição da emenda das “Diretas Já”, e os comícios de Tancredo eram um alento para a população. Era maravilhoso ouvir seus discursos, Tancredo era um grande orador, falava de forma elegante, às vezes até poética, porém perfeitamente inteligível. Quando ele foi hospitalizado e não pode tomar posse, a consternação foi geral, e a torcida pela sua recuperação foi imensa. Mas seu estado foi piorando e no final já se dizia que o estavam mantendo vivo somente para que morresse no dia da inconfidência mineira, o 21 de abril. E coincidência ou não, foi o que de fato aconteceu.
Nesse dia, 21 de abril de 1985 o Esporte Clube Jacaré jogava em Dores do Rio Preto, divisa de Minas com Espírito Santo. Essa data foi marcante para todos nós. Jogamos contra o bom time da cidade e fomos humilhados em campo e pela torcida. Não vimos a cor da bola e perdemos por 7 X O. Usamos o belo uniforme do V-xame, e dessa vez para fazer jus ao nome, foi um verdadeiro vexame. Depois do jogo estávamos todos enchendo a cara no bar do Carlinhos da Elenice Borges, nosso anfitrião, quando soubemos da morte do Tancredo. A tristeza foi geral e alguns choraram despistadamente. Parecia ficção, mas era verdade: a grande esperança do povo brasileiro havia morrido. E depois acompanhar o velório e o sepultamento pela televisão, não houve quem não se emocionasse.
Muitos anos depois visitei o Memorial Tancredo Neves em São João Del Rey. As emoções voltaram todas, mesmo porque a visitação ao memorial é feita ao som de memoráveis discursos do grande político. Frases que marcaram sua trajetória são repetidas, e nos remete novamente para o ano de 1985, como aliás aconteceu comigo agora ao assistir ao documentário. Frases do tipo:
“Liberdade é o outro nome de Minas”.
“Essa é a ultima eleição indireta do país”.
“Não pode haver democracia sem liberdade, e não há liberdade quando se tem o medo de ousar construir um futuro melhor”.
E pensar que esse grande mineiro, esse paladino da liberdade e da democracia, esteve um dia em São Francisco do Glória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário