domingo, 8 de abril de 2012

TANCREDO NEVES EM SÃO FRANCISCO DO GLÓRIA

TANCREDO NEVES EM SÃO FRANCISCO DO GLÓRIA



Tancredo Neves, 100 anos de história.
João Eduardo Ornelas
21 de abril de 2010, 23:55h.
Estou em casa e acabo de assistir ao documentário “Tancredo Neves, 100 anos de história” na Rede Cultura. Minha memória foi reavivada e voltei àquela época de meus recém completados 20 anos de idade, quando todo o Brasil se emocionou com a morte daquele em quem se depositava as esperanças de um Brasil melhor.
Acompanhei a trajetória de Tancredo Neves desde a anistia política e até mesmo um pouco antes, quando ele foi candidato a senador na época em que havia somente o MDB e a ARENA. Recordo-me de sua fotografia, do carro de som do MDB que algumas vezes foi a São Francisco do Glória e da propaganda no rádio. Na época, eu adolescente fiquei intrigado ao ouvir dizer que Tancredo  fora primeiro-ministro, pois era algo que eu não havia aprendido na escola naquela época de ditadura onde o ensino era todo direcionado a moldar as mentes favoráveis ao governo militar.
Depois, quando veio o inicio da abertura política, Tancredo foi eleito governador do estado com larga vantagem para o principal opositor, o candidato do governo Eliseu Rezende. Foi durante a campanha que aconteceu algo inusitado, Tancredo Neves visitou São Francisco do Glória. Parece-me que ele viria na região onde visitaria Muriaé, Leopoldina, Cataguases, Ubá e outras cidades de destaque. Na última hora consegui-se que ele desse uma breve passada por São Francisco, acredito que vindo de Manhuaçu ou Carangola. Foi tudo muito rápido, ele passaria à tarde e somente pela manhã ficou decidido. O carro de propaganda do PMDB saiu às ruas e em vez da mensagem gravada, a voz do Jair Biciate que ao microfone convidava para a visita do “futuro governador de Minas Gerais”.
A política franciscana era dominada pelo PDS que com mãos de ferro mantinha os correligionários sob rígida disciplina. Uma saída à rua para ver e ouvir o candidato da oposição poderia ser interpretado como um gesto de infidelidade, provocar desconfianças e possíveis retaliações por parte dos caciques. Poucos se atreveriam.   Apesar da curiosidade, somente algumas pessoas saíram às ruas para receber o ilustre visitante, outros no máximo arriscavam olhar timidamente pelas janelas. Tancredo deu uma volta pela cidade acenando para as pessoas numa carreata composta por poucos carros, deu a volta na praça, uma breve parada e foi embora. A cidade não fazia idéia de que ali estava aquele que lideraria a transição para a democracia em nosso país e com seu talento conciliador conseguiria ser eleito Presidente do Brasil no colégio eleitoral derrotando o poderoso regime militar.
Caso tivesse se formado um grupo de pessoas para recebê-lo, ele desceria e falaria algumas palavras aos franciscanos, mas como não tinha ninguém, limitou-se a cumprimentar as lideranças locais do PMDB e foi embora. Nenhuma gravação, nenhuma fotografia sequer. A imagem que tenho na mente é a de um homem baixinho, afundado na poltrona de um Monza  acenando pela janela para as poucos moradores que ousavam chegar nas calçadas, portas e janelas. Eu estava com algumas pessoas na esquina do Sr.  Ari Pedrosa, e quando pensávamos em ir ou não à Praça para ver um possível mini-comicio, o monza veio voltando levando o pequeno-grande homem para conquistar terras maiores e com eleitores mais corajosos.
Essa visita serviu de chacota. Alguns dias antes, estando alguns franciscanos reunidos à noite em grupinhos na praça com era e ainda é costume, eis que surge um gambá passeando pela rua. O pobre do bicho foi descoberto e começou a perseguição e a gritaria. Todos tentavam acertar o bichinho com pedras ou chutes e juntou-se gente de todos os lados, algo em torno de cem pessoas que farrearam linchando o aterrorizado e fedorento animalzinho. Quando por fim o pobre foi abatido, a pequena multidão vibrou alucinada. Pois bem, depois da malfadada visita do futuro governador das Minas Gerais, dizia-se que teve mais gente no enterro do gambá que na visita do Tancredo.
Quando Tancredo foi candidato a presidente numa eleição que seria indireta, ele decidiu fazer campanha com o povo como se fosse eleição direta. O país estava frustrado pela rejeição da emenda das “Diretas Já”, e os comícios de Tancredo eram um alento para a população. Era maravilhoso ouvir seus discursos, Tancredo era um grande orador, falava de forma elegante, às vezes até poética, porém perfeitamente inteligível. Quando ele foi hospitalizado e não pode tomar posse,  a consternação foi geral, e a torcida pela sua recuperação foi imensa. Mas seu estado foi piorando e no final já se dizia que o estavam mantendo vivo somente para que morresse no dia da inconfidência mineira, o 21 de abril. E coincidência ou não, foi o que de fato aconteceu.
Nesse  dia, 21 de abril de 1985 o Esporte Clube Jacaré jogava em Dores do Rio Preto, divisa de Minas com Espírito Santo. Essa data foi marcante para todos nós. Jogamos contra o bom time da cidade e fomos humilhados em campo e pela torcida. Não vimos a cor da bola e perdemos por 7 X O. Usamos o belo uniforme do V-xame, e dessa vez para fazer jus ao nome, foi um verdadeiro vexame. Depois do jogo estávamos todos enchendo a cara no bar do Carlinhos da Elenice Borges, nosso anfitrião, quando soubemos da morte do Tancredo. A tristeza foi geral e alguns choraram despistadamente. Parecia ficção, mas era verdade: a grande esperança do povo brasileiro havia morrido. E depois acompanhar o velório e o sepultamento pela televisão, não houve quem não se emocionasse.
Muitos anos depois visitei o Memorial Tancredo Neves em São João Del Rey. As emoções voltaram todas, mesmo porque a visitação ao memorial é feita ao som de memoráveis discursos do grande político. Frases que marcaram sua trajetória são repetidas, e nos remete novamente para o ano de 1985, como aliás aconteceu comigo agora ao assistir ao documentário. Frases do tipo:
“Liberdade é o outro nome de Minas”.
“Essa é a ultima eleição indireta do país”.
“Não pode haver democracia sem liberdade, e não há liberdade quando se tem o medo de ousar construir um futuro melhor”.
E pensar que esse grande mineiro, esse paladino da liberdade e da democracia, esteve um dia em São Francisco do Glória. 

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