domingo, 8 de abril de 2012

COMÉRCIO DE VOTOS

COMÉRCIO DE VOTOS  


João Eduardo Ornelas
 Como todos sabem, em cidades pequenas a regra geral é que não se vota de graça. O valorizado ato cívico muitas vezes vem em troca de algum favorum tratamento médico, a construção de uma lajeum vestido de noivaum par de alianças, etc. É evidente que não são todos assimcomo todaregra essa também tem as exceções. Há muitos eleitores esclarecidos que votam com consciência e ideologiafelizmente.
Como sabem fui candidato a vereador num descuido meu, o que afinal não lamento pois foi uma experiência boa. Proporcionou-me um grande crescimento pessoal e um aprendizado impar.
Pois bem, nesta ocasião, senti na pele o que é o comércio de votosApesar de minha campanha ter sido discretíssima, recebi alguns pedidos inusitados que evidentemente não atendi. Por esse motivo sei que muitos apostavam no meu fracasso  total , ou seja, Capote.
 Quero narrar um fato em especialUm eleitor me procurou com uma boa conversa, aquela fala mansa de roceirome bombardeou de elogios. Ocorreu entre nós o seguinte diálogo:
 --Ocê é um sujeito bão, novo, tem umas idéia boa. É de gente assim que nois precisa. Nois  em casa tamo pensano seriamente em votá no .
 --Obrigado Seu Fulano. Fico muito honrado e espero corresponder à altura.
 --Só que tem um detalheeu tô muito precisado de uma coisinha.
 --Diga em que posso ser útil?
 --Eu tô precisando de um bujão de gásNão é  o gás não, é o bujão com o gás dentrosem precisá devorvê.
 --Ah! O senhor quer o gás e o vasilhame, é isso?
 --É isso memo.
É bom esclarecer que naqueles tempos idos de 1992, botijão de gás era moeda corrente e considerado um bom investimentoCom a inflação alta, os botijões davam um retorno maior que a caderneta de poupançatinha mercado fácil e presença certa nas barganhas tradicionais no meio rural.
Continuando o diálogo, mandei pra cima dele um argumento ensaiado e  repetido não sei quantas vezes:
--Pois bem Seu Fulano, estou fazendo minha campanha de uma forma diferentesem recursos financeiros. Estou apelando para a compreensão e a inteligência de pessoas esclarecidas como o senhorque tem visão e querem a melhoria de nossa cidade. Se o senhor votar em troca de um favor, ficará constrangido em cobrar do candidato eleito uma conduta satisfatória.
Ele certamente não caiu na conversa pois disse:
 --Tem muito candidato doidim pra me dá o bujãomas como eu agradei do , resorví te dá preferência.
Fiz mais uma tentativa:
--Já que o Senhor disse que agradou de mim e de minhas idéias, quero propor o seguinte. Se esses outros candidatos estão dando o bujão, é porque podem.  que tem bujão dando sopa por , e como o voto é secreto, pegue o agrado e vote em mim. O que acha?
Ele fez cara de ofendido e respondeu:
--Não, ocê tá enganado comigoEu sou um homi honesto e de palavra. Se eu der a palavra e pra valerVoto naquele que der o bujão e pronto.
Eu também não deixei por menos e disse:
--Bom então que é assim eu agradeço a preferência e dispenso seu voto.
Ele saiu pisando duro com a testa franzida, subiu na charrete e enquanto manobrava ouvi-o resmungar entre os dentes:
--Depois toma um capote no lombo e fica chorano pros canto.
Algum tempo depois fiquei sabendo que o dito cujo se vangloriava de ter conseguido quatro botijões na campanha. E em quem será que votou? Ninguém sabe. Talvez tenha conseguido um botijão para seu votooutro para o voto da esposa, e um para cada filho. E olha que segundo comentáriosesse cidadão tem dinheiro para comprar uma distribuidora de gás.
Quanto a mim, fiz minha campanha sem comprar ninguémapenas no diálogonão fiquei no capote e me orgulho de cada voto que obtive. 
único voto que comprei porque caí numa armadilhaeu não levei. O danado do trairão votou noutro candidatoMas essa história eu conto em outra oportunidade.

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